9 de janeiro de 2013

24/12. 21:35 h, plataforma 10. Destino: felicidade.




Era natal. Famílias se reuniam e celebravam a vida. Ela passaria a noite sozinha, numa ceia descrita em “coxinha de frango e suco de laranja”, que se come nessas paradas em viagens. Ainda na rodoviária, colocou o segundo pé e esperou que a escada rolante a levasse até a plataforma 10. Ela fez esse percurso quase todos os meses, por alguns anos. Mas agora, dois anos depois, aquele caminho parecia interminável. Conseguiu rever toda a sua vida naqueles quarenta segundos se equilibrando entre tantas malas.

Subiu no ônibus, sentou-se e colocou o fone de ouvido. Nem ela acreditava no que estava fazendo: deixando para trás tudo o que ela sempre achou que nunca tivesse a oportunidade de abandonar e indo encontrar um grande amor. Pensou em desistir. Abortou a idéia no segundo seguinte. Outro dia ela leu uma frase da Martha Medeiros que dizia: “Nossa insanidade tem nome: Vontade de viver até a última gota.” Ela precisava quebrar os seus próprios medos, encarar o passado de novo pra então decidir o que fazer com o futuro. Precisava viver aquela história até a última gota.

A noite fora longa demais. Dormiu pouco. O coração ora parava, ora quase saia pela boca. Rascunhou algumas palavras no bloco de notas do celular na tentativa de aliviar a ansiedade. Teve vontade de chorar, mas depois riu de si mesma. Estava orgulhosa pela sua coragem.

O dia clareou e finalmente a placa na estrada indicada a sua chegada ao destino. Pensou em tudo o que viveu nesses dois anos. Em quanta vida aconteceu sem que pudesse ter a supervisão daqueles olhos puxados, castanhos e brilhantes. Ela nunca se esqueceu do gosto do beijo, do quanto era bom o abraço, da forma mágica como se encaixam para dormir de conchinha. Riu, porque parecia patético ter saudades da conchinha. Lembrou-se que estar ali, há poucos metros de encontrá-lo novamente, depois que tudo que sofreu, era mais do que patético, mas que esse era um dos momentos mais felizes do ano.

Os olhares finalmente se cruzaram. Desconheceram-se. Aliás, como é que pessoas que se amaram tanto por anos se desconhecem após dois anos de distância? A vida mudou tanto! Mas ele a abraçou e ela sentiu que pensando bem, talvez as coisas não tenham mudado tanto quanto parecia: a presença dele ainda estremecia a sua existência.

Depois de alguns beijos e um banho de mangueira, porque o calor daquela cidade é insuportável, ela deitou no chão geladinho do quintal daquela casa enorme cheia de lembranças e amor. Contou-lhe sobre a faculdade, os amigos que fez, os que manteve, as viagens que realizou, os sonhos que conquistou, os romances que teve e o namorado que faleceu. Ele, sentado ao lado dela, encarando-a e tragando um cigarro sabor menta, contou das meninas que passaram na sua vida nesse tempo, depois contou sobre a cidade nova, os amigos novos, o emprego novo e os planos para o futuro. Ela teve certeza de que não o conhecia mais. Ele não tinha mais dezessete anos e nem era mais sustentado pelos pais. Ao saber de tantas coisas “novas” na vida dele e por não fazer parte de nenhuma delas, sentiu-se distante dele. Sentou-se também. Encarou aqueles olhos que por tantas noites sonhou rever. Pensou em dizer que tinha medo de continuar não fazendo parte da vida dele. Mas só conseguiu pronunciar: “Sabe que você fica charmoso fumando? Me dou conta que nos tornamos mesmo adultos.” Ele riu tímido.

Conversaram e se amaram o dia todo. Mesmo percebendo que tantas coisas haviam mudado na vida do outro, de alguma forma, ainda sentiam-se íntimos, parte um do outro. Parte não das suas histórias, mas da alma, do amor que sentiam pelo outro e pela vida.

Entre um beijo e outro, aliás, ela reparou que o beijo se encaixa melhor agora, depois dessa distância toda. O abraço também ficou mais acolhedor. Mas o beijo na testa que ele dá, a fez perceber que ele é mesmo a única pessoa capaz de fazê-la arrumar as malas. Talvez com a distância, experiências e amadurecimento, tenham aprendido a se amarem mais. Tenham percebido o valor de tudo o que um dia construíram juntos. Hoje demonstram ter entendido a importância que um tem na vida do outro.

Poucas horas antes dele voltar à vida nova dele, na cidade nova, com amigos e experiências novas, as quais ela não conhecia nem por foto, ela chorou. Não um choro desesperado de quem não quer perder quem ama. Ela sabe que eles nunca se perderão. Chorou porque ficou feliz por conhecer o adulto que ele se tornou, por poder apresentar a mulher que agora ela é.  Por entender que o que quer que tenham sido um para o outro, ainda são e sempre serão. Ele quem vai ouvi-la dizer o quanto ela adora dirigir. Ela quem vai atender ao telefone logo pela manhã, ainda sonolenta, para ouvi-lo perguntando das novidades e depois aquele silencio enlouquecedor que só eles sabem compartilhar. No fundo ele liga só pra ouvir a voz dela e ela atende só pra poder ouvir a voz dele de novo. Precisam um do outro como precisam de oxigênio para viver.

Uma e vinte da manhã. Hora de ele partir. Da janela ele manda um beijo. Encaram-se por alguns minutos até aquele ônibus os separarem de novo, por sei lá quanto tempo. Valeu o reencontro. Valeram os beijos. Valeram os abraços. Ela também volta pra casa. Desembarca na 10.

Depois de tanta distância, finalmente, assumem que são um o porto seguro do outro.
Ele liga dias depois. Já tem saudades. Quer encontrá-la no final de semana. Ela arruma as malas de novo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário